Época 2001/02. Nova época de futebol da formação, novas expectativas, nova “fornada”, novo ciclo para todos. Como em todos os inícios de época. Nos Infantis B, foram integrados dois jogadores com idade de escola, a saber: Paulo Pinto e Raul Curvelo.
Curvelo, era um miúdo deslocado de escalão que não sentia a diferença de idades e que enfrentava qualquer desafio sem complexos de inferioridade. Era um miúdo que se fazia acompanhar sempre com uma bola. Era como se a bola fosse uma extensão do seu corpo. Brincava com ele dizendo que mesmo a dormir não se separava dela. E se calhar, não!
Com os treinos e com os jogos, fui descobrindo que aquilo não era só paixão pela bola, era também um miúdo com potencialidades para descobrir o futebol. Pelo menos o seu futebol. Rapidez de execução, técnica simples nos processos ofensivos, objectividade, instinto e eficácia na área e zona de finalização, sempre em escapatória do contacto físico. Tudo isto levou-me a pensar que tinha descoberto um avançado centro de futuro assegurado. Seria uma das apostas para a época seguinte, para desenvolver trabalho nessa área específica.
No final, da única época em que trabalhei com ele escrevi no relatório qualquer coisa como: "Tal como Paulo Pinto um jovem escola que evoluiu neste escalão. Um avançado puro que precisa de ser conduzido de forma adequada. Apostei comigo próprio que seria um avançado centro de futuro assegurado."
Com isto na memória, resolvi ouvir o Curvelo, alguns anos depois e agora que chegou ao futebol sénior, pedindo-lhe para fazer uma retrospectiva da sua passagem pela formação. Fala-me dos infantis. “Bons momentos sem dúvida, costuma-se dizer que a primeira impressão é a que fica e realmente penso que os infantis são a imagem disso mesmo, os primeiros colegas de equipa, os primeiros jogos a sério, os primeiros treinadores, as primeiras bases, por assim dizer. Penso que foi uma das muitas razões para hoje ainda ter uma paixão enorme pela bola. O grupo de trabalho que tínhamos também ajudou muito, com muito potencial e sobretudo uma grande amizade que ainda hoje permanece.”
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Um escolinha a intrometer-se nos infantis…”Lembro-me de na altura, antes de começarem os treinos de infantis me darem a triste noticia que nesse ano não iria haver equipa de escolas. Andei uns tempos com a cabeça ás voltas e a pensar no que iria fazer, até que recebi a informação que eu e mais um grande amigo, o Paulinho (na altura também escola e na mesma situação que eu) iríamos integrar a equipa de infantis. É sempre produtivo treinar com colegas mais velhos, com nível superior ao nosso, com mais exigências de aprendizagem. Assim tive de dar mais de mim, de me esforçar ao máximo para ter um lugarzinho no plantel. Felizmente correu tudo bem, formamos um grande grupo, de grande amizade e no ano seguinte esses mesmos colegas (Na altura eu tinha ficado no escalão da minha idade) viriam a conquistar o primeiro lugar do campeonato de infantis.”
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Tiveste 3 anos de infantis, facto que não é normal! “Três aninhos, três aninhos de alegria, de tristezas, de emoções fortes. Com aquela idade, aquela rotina de treinos - jogos, jogos – treinos, não é para qualquer um! É preciso gostar muito do que se está a fazer. Mas, os bons balneários que tínhamos eram uma boa razão e talvez a principal para continuar ano após ano."
Vamos por partes, recuando um pouco e recuperar esses três anos de infantis. No primeiro ano…”O primeiro mister que tive nos infantis foi o mister Emídio Taylor, uma grande pessoa, um excelente profissional, e o mais importante, um grande amigo. Porque naquela idade conta mais ter um treinador que saiba ser nosso amigo do que um treinador que encare os treinos e os jogos como se tivesse a treinar juvenis, juniores ou seniores. Penso que foi a chave para o sucesso da nossa equipa, sabíamos que chegava aquela hora do treino e todos os problemas eram postos de lado, treinava-se a brincar, mas não se brincava com o treino.
Recordo-me, por exemplo, de um episódio em Ayamonte, num torneio de infantis B, jogávamos contra uma equipa espanhola e o jogo acabou empatado. De seguida fomos a penaltys, o mister escolheu-me para ser eu a bater a última penalidade. O coração batia mais forte, só via o guarda-redes e a baliza á frente, as minhas pernas tremiam, chutei e acabaria por falhar o penalty. De seguida eles marcaram e nós perdemos. Nem queria acreditar! Naquela idade, este tipo de situações têm um peso muito grande. Desatei a chorar e quando pensava que estavam todos chateados comigo foi então que o mister Emídio, com uma palmadinha nas costas, me disse algo do género: " Vamos Curvelo, acontece! os melhores também falham!". São estes pequenos gestos que ficam gravados mesmo com o passar dos anos."
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Sinceramente, e apesar da maior exigência competitiva, esperava poder contar com o Curvelo no segundo ano de Infantis. Mesmo porque queria dar continuidade ao trabalho desenvolvido e reforçar a aposta nas qualidades ofensivas do jogador, a quem tinha diagnosticado potencialidades de avançado. No entanto, as necessidades de escalão imperaram de forma pacífica, porque estavam em causa os superiores interesses do SCF.
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Posto isto, na época seguinte e seguintes, perdeu-se um avançado e ganhou-se um distribuidor. Como foi? “Na época seguinte fiquei um pouco desiludido, pois pensava que iria continuar com a equipa e transitar para infantil A, mesmo com idade de infantil B. Mas tal não foi possível e acabei por integrar, eu e mais o Paulinho, a equipa B. Escalão onde encontrei o mister Bentinho e o mister Nuno, dois treinadores de gerações diferentes. O mister Bentinho com toda a sua escola de futebol, muito exigente mas com um coração enorme. Tenho pena de ter perdido contacto com ele. O mister Nuno Estevam, penso que era o seu começo como treinador, com muita vontade de aprender. Na época seguinte, a minha terceira, o mister Nuno acabaria por vir a pegar na equipa. São muitos os episódios que tivemos juntos, a maioria muito bons.”
Curvelo! Serviço cumprido em todos os escalões de Formação do SC Farense, vamos lá esmiuçar isso, começando pelos iniciados…”Nos iniciados foi um pouco complicado. A transição de futebol 7 para futebol de 11 não é fácil, lembro-me de comentar com colegas meus que o campo parecia que não tinha fim. No primeiro ano joguei para aí uns 4 jogos, na altura ainda era médio-centro. Na época seguinte recuaram-me para lateral direito (posição que jogo ainda hoje), jogava a titular e penso que joguei todos os jogos.”
Navegando pelos juvenis…"No primeiro ano de juvenis, penso que foi o da minha afirmação. Tínhamos um grupo muito bom, com grande qualidade e com grandes jogadores. Á partida estava mentalizado que não ia ter muitas hipóteses, mas com o passar dos treinos fui vendo que se calhar até não iria ser assim tão difícil, bastava apenas trabalhar e esforçar-me ao máximo. Comecei a jogar como lateral direito naquela equipa fantástica, com grandes jogadores, como o Oliveira, o Alvarinho, o Piçarra, o André Ferreira, o João Fitas…, jogadores excepcionais, mais velhos que eu. Acabámos o campeonato em segundo lugar com os mesmos pontos que o primeiro, se bem me lembro, o Vitória de Setúbal. Apuramo-nos para a segunda fase onde jogámos contra Benfica, Marítimo e Barreirense. Ficamos em segundo lugar do grupo e no fim em 6.º lugar a nível nacional. Aprendi muito nesse ano, o treinador era o mister Nuno Ramos. Foi talvez, a época mais importante para saber se era mesmo aquilo que queria ou não.”
E no Segundo ano…”Na época seguinte saíram muitos jogadores porque eram de segundo ano e entraram outros. Tínhamos uma boa equipa também, mas as coisas não correram bem, mudamos de treinador, começamos a época com o mister Cartaxo e acabamos com o mister Ferrinhos. A mudança não foi fácil, éramos muito apegados ao mister Cartaxo. Ao início não aceitamos muito bem a vinda do mister Ferrinhos, mas depois com o tempo fomos conhecendo-o melhor e começamos a gostar dele, mas o mal já estava feito, estávamos numa posição muito complicada na tabela classificativa e acabámos por descer de divisão.”
Chegamos aos juniores, o escalão da aferição. “O meu primeiro ano de júnior foi espectacular, onde voltei a encontrar os companheiros do primeiro ano de juvenis. Estávamos a disputar a primeira divisão nacional, onde já entravam equipas como o Benfica, o Sporting, Belenenses, Nacional da Madeira, etc... E onde jogavam muitos jogadores que jogam hoje na primeira e segunda ligas. Conseguimos o objectivo, a manutenção, que era muito difícil devido à competitividade e qualidade daquele campeonato. O mister Serôdio teve um papel fundamental, tinha acabado de subir aquela equipa, no ano anterior, e esperava-o um grande desafio. Foi um dos melhores treinadores que tive até hoje, talvez até o melhor. Sabia perfeitamente as dificuldades que iríamos encontrar durante o campeonato e preparou cada jogo da forma mais adequada. Sabíamos que não dava para jogar contra equipas como Benfica ou Sporting, de olhos nos olhos, por isso jogávamos com 5 defesas e apostávamos no contra-ataque. Como tínhamos jogadores muito bons na frente, fizemos muitas surpresas ás melhores equipas, como a vitoria na Madeira frente ao Nacional. Nesse jogo, levámos um massacre de todo o tamanho mas, como éramos muito organizados a defender e muito fortes na frente, com jogadores como Alvarinho e o André, que faziam a diferença, acabamos por ir duas vezes á baliza do Nacional e ganhamos por 2-0. Foi talvez o resultado mais importante e com um sabor muito especial. Tínhamos um grande grupo e uma direcção com grandes pessoas como o Senhor “Manel”.”
Antes de mais, e os estudos? “Este ano vou acabar o 12.º Ano.”
Chegamos então à transição para os seniores…”Transição de júnior para sénior? Minha nossa! É difícil quando se dá a "vida" por um clube e chegar-se a sénior e darem-nos um chuto no rabo sem justificação e sem uma palavra sequer. Foi talvez a maior desilusão da minha vida como jogador de futebol. Damos por nós a pensar para que serviu todos aqueles anos com aquele emblema ao peito, o nosso clube do coração, desde pequenino. O meu maior sonho e penso que o de qualquer miúdo, quando começa a jogar futebol é chegar á equipa principal, e eu não fugia á regra.”
É evidente alguma mágoa…"Tinha uma paixão muito grande pelo Farense, afinal de contas foi quase uma vida desportiva dedicada àquele clube; foram muitas as pessoas que conheci; foram muitas as emoções vividas; desde os 5/6 anos até aos 19 anos a jogar lá, penso que merecia ao menos uma palavra de conforto e agradecimento. Não quero dizer que tivesse hipóteses ou condições para ficar no plantel sénior mas, o que me custou foi nem sequer ter recebido uma chamada a informar se contavam ou não, comigo. Simplesmente foi como se nunca tivesse jogado naquele clube. No entanto, guardo ainda um grande carinho pelo Farense e por tudo o que vivi lá.”
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Deve ter sido uma fase bastante complicada. E depois? “Demorei ainda um tempo a assimilar as coisas e a ideia de deixar de jogar futebol ocorreu-me muitas vezes pela cabeça.”
Deixa-te de coisas…"Passei o verão todo sem saber o que iria fazer esta época (2010/11), ninguém me ligava e não tinha nenhum convite. A única pessoa que me tentou ajudar foi o Sr. Idalécio. É de admirar uma pessoa que me conhecia apenas dos treinos dos seniores, quando eu era chamado dos juniores, ter uma bondade tão grande.”
O apoio que todos precisam e que poucos estão dispostos a dar. “O Sr. Idalécio fez de tudo para me ajudar, desde levar-me a torneios durante o verão, onde estavam pessoas com muitos conhecimentos, de falar com vários treinadores. Conseguiu convencer o treinador do CDR Quarteirense a levar-me para lá onde ele também vai jogar este ano. Assim, ficou combinado ir lá treinar quando começassem os treinos.”
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No entanto…"Até que uma noite, recebi uma chamada do mister Tozé a convidar-me para ir para o UD Messinense que esta época vai jogar na 3.ª Divisão Nacional. Não pensei duas vezes, liguei ao Sr. Idalécio e pedi-lhe uma opinião, ele disse-me para aproveitar porque era uma oportunidade muito boa. E assim foi, estou a jogar no União de Messines, onde me acolheram super bem.”
O Idalécio foi um grande amigo! “Não posso deixar de agradecer ao Sr. Idalécio, foi sem dúvida uma das melhores pessoas que conheci, um grande amigo e uma pessoa com um coração enorme, que me ajudou a superar uma fase difícil.”
Agora quais são as próximas etapas? Quais são os teus sonhos e projectos? “Quando somos miúdos temos muitos sonhos, sonhos que passam por chegar á primeira liga, ou a um clube grande, ou jogar pela selecção, os habituais sonhos de criança. Eu tinha esse sonho e acreditava plenamente que ia conseguir. Mas com o passar dos anos vamos amadurecendo e vendo as coisas como realmente elas são. É muito difícil! Em 100, 1 ou 2 conseguem chegar longe e na maioria das vezes nem isso. Hoje, os meus projectos são muito diferentes de quando tinha 10/11 anos. Quero aprender ao máximo, trabalhar e tudo o que vier é por acréscimo.”
Muito bem miúdo, caminha em frente porque para trás não é caminho. “Um grande abraço mister, foi um prazer, obrigado pelos momentos que tivemos juntos. "Treina como jogas e joga como treinas ". Obrigado eu, por este momento.
ETaylor